A reforma política entrou na sua fase decisiva. A Câmara dos Deputados tem sessões e votações em todos os três dias da semana imprensada pelo feriadão, para limpar a pauta. Na terça-feira 12, começa a votar a reforma, agora encarnada no projeto de lei 1.210/07, que substituiu as mais de cem matérias sobre o tema.
Em paralelo, no Senado, avança para seu provável desfecho o Caso Renan Calheiros, enésimo escândalo entre os levantados, ora pela mídia sedenta de sangue, ora pela Polícia Federal, agora republicana e ativa, o que é ótimo, mas às vezes invasiva e de língua solta.
A sucessão de escândalos patenteia a necessidade e urgência da reforma. Atesta que a estrutura política que aí está apodreceu, enquanto sistema. Tem que mudar, ou vai cair de podre, e contaminar com sua podridão os frutos da democratização brasileira.
O PL 1.210/07 é o máximo denominador comum, o consenso possível entre as tendências heterogêneas no Congresso. Destaca-se, em seu favor, a coragem de propor o financiamento público das campanhas eleitorais e o voto em lista partidária fechada, duas inovações gêmeas e indissociáveis entre si, que são a alma da reforma. Contra, a tentativa de ressuscitar a cláusula de barreira à liberdade partidária, declarada inconstitucional pelo Supremo, ainda que a ressureição venha com o atenuante de reduzir de 5% para 2% o tamanho do obstáculo à democracia.
Mas o PL 1.210/07 é apenas um projeto. Desde hoje é alvo de uma saraivada de destaques e na semana que vem passará por uma maratona deliberativa. A reforma poderá sair daí aperfeiçoada, ou desnaturada.
Aí está o professor Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, a pelejar pela volta do voto distrital, tal como no Império e na República Velha. Aí está o senador Marco Maciel (DEM-PE) com sua proposta de emenda constitucional que tenta desenterrar a barreira, de 5%. Aí estão as prioridades dos nove senadores que na quarta-feira (30) jantaram juntos na casa do presidente do PSDB, Tasso Jereissati (CE), entre elas o fim das coligações proporcionais e o apoio à Emenda Maciel. E haverá ainda que vencer todo um arquipélago de interesses pequenos, paroquiais, pessoais, circunstanciais para que a reforma política mereça o seu nome.
Na opinião pública, nos movimentos sociais e demais representações da sociedade civil, os escândalos que se repetem produziram efeitos contraditórios. Por um lado, geraram o forte consenso de que a reforma política é indispensável. Por outro, velaram o tema com a nuvem fétida das denúncias desta ou aquela ladroagem, embotando a percepção da cidadania sobre o alcance e o sentido de fundo das mudanças em pauta.
Ainda há alguns dias para dissipar a nuvem e ir à luta. Disso dependerá em grande parte o resultado de contenda, que pode ser um avanço democrático significativo ou uma empulhação conservadora a mais.