José Varella*
Come ananás, mastiga perdiz
Teu dia está prestes, burguês.
(Maiakovski)
Nem as muralhas do Kremlin puderam resistir à verruma do poema de Maiakovski contra a violência tranquila que prostitui e humilha a humanidade. No entanto, a revolução proletária implodiu sob peso excessivo do aparelho de estado. É preciso algo mais que planos decenais, poemas, baionetas e coquetéis molotovs para vencer a Pobreza de espírito e a devastação da Natureza, para despertar a consciência do mundo sobre a aldeia perdida na infância da vida.
Não basta repetir ensalmos e rezar “venha a nós o vosso reino”... Meu pai ensinava: “Deus disse, faz a tua parte que eu te ajudarei”. Os homens não cumprem o trato com os outros e ainda querem que Zeus ou Deus ajude mais do que já ajudou... Gosto da violência do pensamento de Sartre e da veemência anticolonial de Frantz Fanom. A malandragem do direito à preguiça do genro de Marx, Paul Lafargue. Admiro Gramsci modestamente. E quero concordar com Bertrand Russel e Domenico de Masi sobre a burrice do trabalho para engordar sapo pra cobra comer e todo mundo ir parar no inferno social.
A gente sabe que a não-violência é revolucionária e radical em Jesus de Nazaré obediente somente ao Pai eterno, Mahatama Ghandi e Nelson Mandela que encarnaram suas nações. A não-violência que não teme chantagens da morte certa. Ela é mais forte e explosiva que homens-bomba e até que a Bomba Atômica. Quisera eu não ser violento, mas sou apenas um homem e todo humano teme por si e pelos seus... Só os deuses e semi-deuses estão isentos de ambição e medo. Quanto a homens e mulheres cumpre ser prudentes e aprender a viver melhor.
Reis e magos da empulhação impingiram Cristo imperialista, Ghandi pacifista tolo que se deixa matar como carneiro, Che estilizado à beça pela mídia como merchandise de fumo de Angola, Cannabis sativa dos sábios. Na pisada, queira Deus o rei Nelson Mandela não venha ser mais tarde comercializado como garoto propaganda da “responsabilidade social” a custa de irresponsabilidade fiscal. Yo no creo en brujos, mas eles existem. Trabalham para o deus-Mercado sob gordos salários e comissões fazendo lobby de privatização.
Agora o Titanic a pique: a tal globalização não perde por esperar. Enquanto a esquerda caviar põe água na cerveja da Europa; intelectuais desiludidos fomentam nova esquerda emergente na América Latina entre fumaça de petróleo, etanol barato, juros altos; crime organizado e desorganizado. Mas, sem aviso prévio um telefonema de “orelhão” (telefone público) bagunçou o coreto e detonou segredo de Polichinelo na cidade com medo, moveu a montanha político-burocrática insana como se fosse a Cobra grande do rio das Amazonas.
Tão-só uma medrosa denúncia anônima e já rola pela internet até o Olimpo, junto à Anistia Internacional...
A porralouca bombástica de Abaetetuba e falam por aí de outra vítima menor de idade, desta vez a loucura foi se hospedar na cadeia pública de São Miguel do Guamá! Égua! Que safra mais aloprada... Que reality show!... Amigos dizem, calá-te boca maldita! Dá pra responder na bucha: amigo de Platão, porém mais amigo da verdade...
Acordou de um pesadelo a cidade ribeirinha da menina estuprada por vinte homens tarados e sujos como porcos danados, vinte cães sem dono que perderam o juízo, mas não deixaram o desatado cio pra depois.
O teatro do absurdo armado na cadeia desde muitas datas entre a farsa tupiniquim da “ocupação” e a cobiça estrangeira da “internacionalização”. O povo marisco entre o mar e o rochedo. A sacrossanta globalização passando por cima do cadáver do nativo desmemoriado e sem nome. 400 anos de civilização acidental-cristã! Ai, Jesus!...
Vinte dias e vinte noites no inferno que era verde e virou carvão diante de uma cidade entorpecida por peculiar história de marginalização e contrabando. Uma indefesa menina – bisneta das “amazonas” da patranha de frei Carvajal, mentira civilizada vale mais que dez mil bárbaras verdades – acusada de furto ordinário lançada ao xadrês com idiotas sem rumo e sem destino, que nada mais têm a perder.
Virgem Maria, orai pro nobis! Prefiro ser ateu graças a Deus a comungar com crentes que não têm dó nem piedade da gente humilde de Chico Buarque de Holanda. Isto não tem nada com política, nem modelos econômicos. É falha humana no coração do sistema! Eu que não creio, peço a Deus por minha gente... Ah, que vontade doida de chorar e de matar de raiva!...
Vinte dias e vinte noites de demência e um segundo apenas para remediar toda maldade de séculos de Apartheid racial e social no fim do mundo. Deus nos acuda! Que tal? A tese da leseira invocada absolve lato senso torturadores e executores de massacres...
Cada um quer “tirar o seu da reta”, como desabafou cruamente a pobre mãe da menina entregue às bestas para ser violentada sob manto oficial da República... De repente, fez-se um hiato no cambalacho parlamamentar e fiscal da CPMF e outras molecagens do sistema refém do Consenso de Washington.
A garota L. e seus bestiais estupradores na cadeia de Abaetetuba fazem parte do sistema.
Aquilo que, sem meias palavras, o ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, colocou pra fora do peito de costas contra o muro numa hora ingrata que o farisaismo dos distintos colegas estava a ponto de rifá-lo em nome do Poder.
Recentemente, o pai da CPMF, cardiologista Adib Jatene; meteu o dedo na ferida rebatendo o presidente da FIESP em sua argumentação liberal de menos impostos e mais eficiência do governo. Uma inequação matemática conveniente à fábrica de bandidãos taradãos e da máquina azeitada da corrupção de polícias, serventuários da justiça e agentes do estado de necessidade.
Como diria Rubén Dario: das academias e epidemias, livra-nos Senhor!
Pimenta ardendo nos olhos dos outros, longe do eixo Rio - São Paulo, leitores e telespectadores não acreditavam que a perversidade e demência do sistema tivessem ido assim tão longe mato adentro.
Pior será esquecer como se esqueceram outras misérias com as inevitáveis “devidas providências”. Se acaso, em vez de endeusar as armas e os barões assinalados, tivesse a educação nacional obrado a inclusão social de índios e quilombolas na história da Amazônia, provavelmente meninas L. G. ou C. não seriam molestadas e prostituídas, às vezes, alugadas pela própria família miserabilizada; entregues à própria sorte na maré dos acontecimentos e às taras de caboclos desguiados e mal pagos em serviço de balsas e hidrovias da zona franca de Manaus e outras zonas à beira do caminho do desenvolvimento até São Paulo, ida e volta.
O livro “A Prisão” de autoria do advogado e criminalista Luís Francisco Carvalho Filho aparece em hora certa.
Segundo o autor, nas prisões dos Estados Unidos há cerca de 2 milhões de delinquentes, muitos vivem em condições ruins, sobretudo em cadeias estaduais. Que não nos sirva de consolo. O sujo falar mal do mal lavado... Melhor dar trégua à busca de bodes expiatórios para ir ao encontro de soluções duradouras.
O poeta Aimé Cesaire alertou que a história vem apenas de começar... A estória do “fim da História” é golpe para não deixar a novela chegar ao fim. No passado, prisões serviam para trancar escravos e prisioneiros de guerra e na Amazônia a domesticação do índio não foi de outra maneira.
Na Europa, prisões serviam para albergar criminosos à espera de julgamento ou a ser torturados, prática legal naquele tempo. A partir do século 18, a finalidade da prisão foi isolar e recuperar criminosos. Os primeiros presídios começaram há 200 anos, nos Estados Unidos, para recolher á noite e permitir trabalho durante o dia. Não há dúvida de que o sistema piorou muito e está podre.
Brasileiro é bonzinho e adora primeiro mundo. Povo muito religioso, mas não gosta da Teologia da Libertação porque é igreja de terceiro mundo.
Devíamos adotar do velho mundo coisas mais interessantes. Por exemplo, nos inícios da industrialização regiões rurais da Alemanha entraram em crise e camponeses desesperados se levantaram com unhas e dentes contra senhores feudais. Então, um jovem muito pobre chamado Adolf Kolping ingressou na vida religiosa e foi ser pároco numa igreja de pobres.
Sem plano Marshall, sem teoria nem discurso, sua ação levantou a moral decadente de corporações de ofício. Centrado no trabalho local comunitário e autogestionário, ele fundou a organização de “companheiros católicos”. Hoje o mundo inteiro, inclusive Brasil, conhece a obra Kolping. Mas, nos cafundós ainda não se ouviu falar...
Como disse o poeta Fernando Pessoa, tudo vale a pena se a alma não é pequena... Mais vale acender uma vela do que falar mal da escuridão. Nossas esquerdas acadêmicas sabem tudo sobre Marx, pouco de trabalhos práticos que justificam o marxismo não importa com que roupa ou feição.
O judeu-alemão Karl Marx sabia que a história se repete como farsa. Mas, o autor do Manifesto Comunista foi proibido ao povo trabalhador. Ele é um perigo ao sistema espoliador! Se L. o tivesse lido com seus colegas não estariam assim livres de cadeia. Todavia, pelo menos, saberiam a razão da desgraça e tomar decisão diferente da que a levou a passar vinte dias e noites de horror, numa cidade de interior, cega e surda à humanidade.
Belém do Pará, 28/11/2007
*José Varella, nasceu em Belém-Pará, em 30/10/1937. É ensaista, tem formação em direito e economia. Coordenador da Universidade Livre Marajó-Amazônia, assessor do Museu do Marajó e do Instituto Dalcídio Jurandir
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