Por Bernardo Joffily
A Época que circula neste fim de semana entrou com tudo na campanha em defesa da Emenda 3, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou mas a bancada parlamentar do patronato quer restaurar. Ao dar a palavra ao presidente da OAB-São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, a revista das Organizações Globo usa o título "É preciso manter o Estado de direito"... para defender uma emenda que Lula vetou por ser anticonstitucional.
Estas pequenas incongruências não perturbam a Época, talvez o mais engajado dos tentáculos do império global de comunicação (embora o páreo seja duro). A edição tem como tema de capa a campanha da Globo pela redução da maioridade penal. A entrevista a D'Urso também é em ritmo de campanha: tudo pela causa. Mesmo quando a causa em pauta é a defesa da emenda do trabalho escravo e da supressão dos direitos trabalhistas via contratação de "empresas jurídicas" (PJs) de um homem só.
Por que ouvir a OAB-SP e não o Conselho Federal?
A parcialidade começa na primeira frase, que enaltece a "história" da OAB, que "confunde-se com a luta em defesa dos direitos humanos". O jornalista, José Jucs, não se peja de saltar em seguida para a seção-São Paulo da Ordem, onde, ao contrário do Conselho Federal da entidade, o conservadorismo não foi defenestrado nas recentes eleições na entidade.
Dois dias antes da Época chegar às bancas (3), o coordenador da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Caldas, compareceu ao Senado para falar sobre a Emenda 3. O advogado trabalhista condenou a emenda e defendeu o veto. Explicou que caso este seja derrubado, o Congresso irá na contramão de todo o processo de modernização do Judiciário em curso no mundo e também no Brasil. A revista fez que não ouviu.
Porém D'Urso prestou-se ao papel de emprestar o nome da OAB à Fiesp, à Fecomércio e outras entidades patronais, que lançaram na semana passada o movimento "Fiscal Não É Juiz", na tentativa de restaurar o dispositivo anti-trabalhista. E fez dobradinha com o jornalista na tentativa de engabelar o leitor desavisado. Por isso teve direito a duas páginas de engejamento pró-patronal.
Primeira frase é uma contradição em termos
Logo na primeira frase da primeira resposta, o entrevistado assevera que "com o veto do presidente à Emenda nº 3, a Lei da Super Receita deu ai fiscal um poder que ele não tem nem pode ter". A frase é uma contradição em termos, pois o veto de Lula, como todos os vetos, não "dá" poder algum, apenas suprime uma parte da ação legislativa do Congresso. Mantém portanto a situação legal anterior, hoje vigente, que dá aos fiscais do Trabalho o direito de punir empresas que recorrem por exemplo ao trabalho escravo, ou ao estratagema das PJs.
O entrevistador porém não percebe o absurdo do advogado que deseja "dar apoio ao Congresso para derrubar o veto e restabelecer o Estado de direito". Continua a ajudar a tese patronal-emendista e pergunta por que Lula usou seu poder de veto. Resposta: "Para o governo, é melhor você ter um funcionário registrado como assalariado, porque você paga mais tributos, que numa relação entre empresas". Mais uma vez, entrevistado e entrevistador se esquecem de esclarecer de que natureza são os encargos: férias, décimo-terceiro salário, descanso semanal, aposentadoria, FGTS, os direitos do trabalhador, que ele perde ao "virar PJ".
Primeiro a Emenda 3, depois a reforma trabalhista
Como se sabe, a totalidade do movimento sindical, em todo o seu largo espectro político-ideológico, uniu-se contra a Emenda 3 e em defesa do veto. A pergunta portanto é inescapável, e Fucs a faz: "Por que, então, os sindicatos estão a favor do veto presidencial?" A resposta vem pela tangente: "Faltou, talvez, um debate mais aprofundado". E o jornalista, sem piscar, nem recorrer às toneladas de argumentos reunidas pelas centrais sindicais, salta alegremente adiante: "Ao menos que haja uma reforma trabalhista..."
Dessa vez, o próprio D'Urso refuga a boa-vontade do entrevistador: "Mas esse é outro assunto. A questão da Emenda nº 3 não é política, não é trabalhista". Claro. O presidente da OAB-SP é pró-patronal mas não é tolo. Não iria conectar os projetos antitrabalhistas de hoje com os de amanhã. Primeiro, a Emenda 3, José Fucs, que já não é uma batalha fácil, pois os sindicatos já cogitam até uma greve geral. Deixe a reforma (anti) trabalhista para a próxima entrevista.
Com revista Época
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